terça-feira, 5 de agosto de 2008

Aprendendo com quem sabe


Recebi por email de um amigo a cópia de uma entrevista feita com o falecido professor e sacerdote católico Henri Nouwen e o autor e pastor Richard Foster, que muito nos ensina sobre a vida espiritual e o ministério. Espero que você faça bom proveito.

Ricardo Costa

Em 21 de setembro de 1996, Henri Nouwen faleceu de um ataque cardíaco em Hilversum, Holanda. Nouwen foi um padre católico e psicólogo, melhor conhecido entre os pastores protestantes pelo livro “A volta do filho pródigo”. Um dos temas de Nouwen era viver nosso quebrantamento debaixo da bênção de Deus. Em uma entrevista, Nouwen disse: “Muitas pessoas não acreditam que são amadas, protegidas e então, quando sofrem, encaram isto como uma afirmação do seu pouco valor. A questão do ministério e da vida espiritual é aprender a viver nosso quebrantamento debaixo da bênção de Deus e não de maldição”.
Em 1982, a revista Leadership publicou uma entrevista com Nouwen e Richard Foster sobre o que os líderes das igrejas precisavam fazer para conhecer a Deus. Fundador do movimento Renovaré, Foster escreveu, entre outros livros, “Dinheiro, Sexo e Poder” e “A Liberdade da Simplicidade”, porém seu livro mais famoso é “Celebração da Disciplina”. Após saber da morte de Nouwen, relemos a entrevista e ficamos tocados com sua sabedoria atemporal e atual acerca da vida espiritual. Oferecemos esta matéria novamente em memória do ferido que cura.

Onde você se encontra atualmente em sua jornada espiritual?
Henri Nouwen: Estou em um dos períodos mais difíceis da minha vida. Muitas vezes senti minha direção espiritual ser certeira, clara. Atualmente, no entanto, tudo é incerto. Quando vim da Holanda para os EUA, me tornei um padre, um psicólogo e membro da Clínica Menninger. Fui professor da Universidade Notre Dame, ensinei na Holanda e voltei para dar aulas na Universidade de Yale. As pessoas começaram a corresponder mais e mais sobre o que eu dizia e isso provocou em mim uma sensação: “Sim, eu obviamente tenho algo para falar”. Deveria ficar feliz. Mas nos últimos meses estou cara a cara com meu próprio abismo espiritual. Nada deste sucesso me tornou mais santo ou aperfeiçoado.
No semestre passado viajei pelo mundo e falei para multidões. Tudo isto criou uma noção de que eu estava no lugar certo, que havia chegado ao objetivo. Mas ao mesmo tempo meu mundo interno estava precisamente no lugar oposto. Mais e mais eu sentia que se Deus tivesse algo a dizer, ele não precisaria de mim. Encontrei-me experimentando os dois extremos: alta afirmação pessoal e uma grande escuridão.
Richard Foster: No passado, quando conheci a Deus, tudo era muito intenso. Uma vez passei três dias em jejum e oração. Após fazer isto, senti a necessidade de ligar para um homem com quem eu contava para orientação espiritual. Ele morava bem longe de mim, mas eu liguei e perguntei se ele podia vir orar por mim. Ele veio e eu estava pronto para me colocar diante dele e deixar que ministrasse ao meu coração. Ao invés disso, ele sentou na minha frente e começou a confessar seus pecados. Eu pensei: Eu é que deveria estar fazendo isto agora! Quando ele terminou e eu orei por perdão para ele, e ele disse: “Bem, depois disso você ainda quer que eu ore por você?”. De repente compreendi seu discernimento. Ele sabia que eu o considerava um gigante espiritual que iria me endireitar. Só depois de se expor e confessar seus pecados, é que colocou suas mãos e orou por mim.

O que fez com que você acreditasse tão intensamente que precisava encontrar a Deus?
Foster: Desespero. Não tanto por mim no começo, mas pelas pessoas que eu enxergava que precisavam de ajuda. Depois comecei a sentir o quanto eu também precisava de Deus. Apesar do anseio profundo de passar tempo em solitude, muitos de nós nos sentimos encurralados pela demanda do ministério.
Nouwen: Sou como muitos pastores: comprometo-me com projetos e planos e depois penso sobre como conseguirei fazer tudo. Esta é a verdade do pastor, do professor, do administrador. É inerente à nossa cultura que nos diz: “Faça o máximo que você puder ou você nunca conseguirá se destacar”. Neste sentido, os pastores fazem parte do mundo. Descobri que não é possível lutar contra os demônios do nosso ativismo de forma direta. Não posso dizer sempre 'não', a não ser que existam coisas dez vezes mais atrativas para escolher. Dizer não para minha luxúria, minhas necessidades e os poderes do mundo, requer uma enorme quantidade de energia.
A única esperança que temos é encontrar algo tão obviamente real e atrativo ao qual eu possa dedicar todas as minhas energias e dizer sim. Desta forma não tenho tempo para dar atenção às minhas distrações. Uma das coisas para as quais eu posso dizer 'sim' é quando entro em contato com o fato de que sou amado. Uma vez que percebo que mesmo estando totalmente quebrantado, ainda assim sou amado, torno-me livre da compulsão de fazer coisas para obter sucesso.
Foster: Após terminar meu doutorado, fui a uma pequena igreja na Califórnia. Uma igreja “marginal”, que seria considerada um fracasso para os índices de pontuação de resultados eclesiásticos. Trabalhei, planejei e organizei determinado a mudar o rumo daquela igreja. Mas as coisas pioraram. A raiva parecia permear em todas as pessoas: os conservadores estavam irritados com os liberais, os liberais bravos com os radicais e os radicais irritados com todos os outros. Eu odiava ir às conferências de pastores porque eu não tinha nenhuma história de sucesso. Eu trabalhava com toda a força, mas não era bom o suficiente. Então passei três dias com o meu orientador espiritual. Ao final daquele tempo ele disse: “Dick, você precisa decidir se vai ser um pastor desta igreja ou um pastor de Cristo”. Aquele foi o ponto crucial. Até lá eu havia permitido que as expectativas das pessoas manipulassem a mim e minhas próprias expectativas.

Vocês dois falam sobre receber orientação espiritual de outros. Como vocês descrevem um orientador espiritual? Foster: Direção espiritual é uma idéia cristã. Significa ter alguém que possa ler a minha alma e me dar direção na caminhada com Cristo. Muitas igrejas chamam isto de discipulado.
Nouwen: A igreja em si é uma orientadora espiritual. Tenta conectar sua história com a história de Deus. Ser uma parte real da comunidade eclesiástica significa estar sob direção e orientação; somos dirigidos a fazer conexões. A Bíblia é um orientador espiritual. As pessoas precisam ler as Escrituras como uma palavra para si e perguntar onde Deus quer falar com eles. Por fim, cristãos são orientadores espirituais. O uso de uma pessoa na orientação espiritual tem diversas formas e estilos, assim como as pessoas. Um orientador espiritual é um cristão, homem ou mulher, que pratica as disciplinas da igreja e da Bíblia, para quem você está disposto a prestar contas de sua vida. Esta orientação pode acontecer uma vez por semana, uma vez por mês, uma vez por ano. Pode acontecer por dez minutos ou dez horas. Em momentos de solidão e crise, esta pessoa ora por você.

Como um pastor encontra uma pessoa assim?
Foster: Esta busca por si só é uma grande aventura na oração. Peço a Deus que traga a mim alguém e aguardo pela salvação de Deus que virá. Minha primeira orientadora foi uma senhora que trabalhava durante muitas noites em um grande hospital. Seis vezes por semana até as oito da manhã, ao final do turno da noite, nos encontrávamos para orar, compartilhar e aprender, a partir de nossas experiências com Deus. Começamos a aprender o que significa caminhar com Cristo e a experiência foi ótima para nós dois. Mas muitos pastores não sentem que há alguém com quem possam conversar.
Nouwen: Se você está seriamente interessado em sua vida espiritual, encontrar um orientador espiritual não é um problema. Muitos estão à volta esperando o convite. No entanto, muitas vezes não queremos realmente nos livrar de nossa solidão. Algo em nós quer fazer tudo sozinho. Constantemente vejo isto em minha própria vida. Um orientador espiritual não é um ótimo guru, totalmente estruturado, é apenas alguém que divide as mesmas lutas e pecados e, portanto, revela a presença Daquele que é perdoador.
Foster: No pastorado no Oregon, percebi que precisava de pessoas que me ajudassem. De muitas formas eu disse: “Queridos, amo vocês e preciso de ajuda. Adoraria que vocês viessem à minha sala não apenas quando tivessem problemas ou quando estivessem tristes. Gostaria que viessem orar por mim a qualquer momento”. As pessoas começaram a vir e, por dez minutos, oravam por mim. Chegavam dizendo “pastor, vim orar por você”. Eu ajoelhava perante estas pessoas como sinal de submissão e deixava que orassem por mim.
Nouwen: Richard, gosto da idéia de pedir que as pessoas orem por você, mas para algumas congregações isto pode ser muito formal ou explícito. A primeira coisa para mim é comunicar às pessoas que eu adoraria conhecê-las. Em outras palavras, eu diria: “Venha e me diga como estão as coisas. Entre. Interrompa-me”. Sempre estou correndo com algum compromisso e preciso que as pessoas me digam “Pare! Você não percebeu que eu estou tentando lhe dizer algo”.

Mas como você lida com as interrupções?
Nouwen: O que quero dizer é ter uma atitude espiritual de quem quer ser surpreendido por Deus. Entupimos nossos pensamentos com tantos compromissos que não temos tempo para ouvir a Deus. Deus não fala comigo apenas no começo ou no fim de um projeto, mas fala comigo o tempo todo, podendo dar nova direção no meio da questão. O ministro de certa forma é alguém desnecessário, desnecessário no sentido de que pode ser usado a qualquer momento por qualquer pessoa para qualquer coisa. Ontem eu falava com um padre da Filadélfia que me disse: “estou tão preocupado com o verão. Sou um padre branco em uma vizinhança negra. O que farei?”
Eu respondi: “Ande pelas ruas. Deixe claro que você esta lá, disponível. Não precisa falar com todos o tempo todo, apenas esteja lá. Diga às pessoas que você não quer nada. Aja como se você fosse desnecessário, aguarde para estar com eles e amá-los”.



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(tradução de Karen Bomilcar)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O primeiro fruto


"O primeiro fruto do amor é a meditação sobre Deus. Os pensamentos daquele que ama sempre voltam ao objeto de sua afeição. Aquele que ama a Deus experimenta o enlevo e o arrebatamento da contemplação de Deus. "Quando acordo, ainda estou contigo" (Salmo 139.18, ARC). Os pensamentos são como viajantes da mente. Os pensamentos de Davi se mantinham no cominho do céu. "Ainda estou contigo". Deus é o tesouro, e onde está o tesouro, ali está o coração. Podemos, assim, testar nosso amor por Deus. A que nossos pensamentos se voltam com maior freqüência? Podemos dizer que somos arrebatados de prazer quando pensamos em Deus? Nossos pensamentos têm asas? Voam para o alto? Contemplamos Cristo e a glória?[...]. Um pecador empurra Deus para fora de sua mente com outros pensamentos. Só pensa em Deus com pavor, como o prisioneiro pensa no juiz. "(Thomas Watson, All Things for Good, p.74, 1986).
Qual tem sido o primeiro fruto em nosso coração? Penso que existe uma realidade sutil que nos envolve hoje sem percebermos. Para Watson, se você fosse um cristão, então sua mente se ocuparia com a meditação em Deus e se você fosse um pagão, não ousaria pensar em Deus, pois a visão e sentimento quanto a ele seria a de um juiz que te puniria.
Nosso problema hoje é que conseguimos pensar em Deus, sem tê-lo como o primeiro fruto de nossas afeições, sem temê-lo como juiz. As pessoas em nossa geração não olham para Deus como alguém que irá condena-las, temos nossas igrejas cheias de pessoas que pensam em Deus como alguém que irá abençoá-las, que deve ser buscado para suprir suas necessidades, mesmo que ele não seja o objeto primeiro de nossa afeição.
Como isso pode ser possível? Como chegamos a essa realidade? Como podemos achar que, mesmo que nosso coração não se deleite em Deus, podemos nos aproximar dele sem temor, pois ele existe para nos socorrer e abençoar? Onde encaixamos histórias como a de Ananias e Safira hoje?
A graça não exclui a importância de nosso contínuo quebrantamento e arrependimento. A graça coloca no nosso coração o desejo de termos o Senhor como nossa primícia e nossa afeição a ele como o tesouro maior de nossa vida.

Ricardo Costa