segunda-feira, 26 de maio de 2008

"Do Profetrizar e do Poder da Oração"


Andando no meio cristão (seja o católico ou o evangélico) tenho percebido, no geral, uma tendência que tem sido praticada que é muito mais relacionada a "espiritualidade humanista" dos nossos dias do que a uma espiritualidade bíblica. Na verdade são dois conceitos e práticas que ouço e vejo sendo executada por pessoas, mas ambas têm um mesmo ponto de partida.

A primeira questão é a relacionada a "profecia". Com base em Atos 2. 17 que diz "...derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão,...", tem-se desenvolvido uma pratica estranha ao fundamentos bíblicos relacionados ao dom espiritual da profecia (1Coríntios 12.10; 14.39).

Para explicar melhor o que estou compartilhando aqui deixe-me citar um exemplo. É muito comum hoje em dia em um momento de louvor comunitário, ou mesmo quando você está assentado em uma roda de cristãos, você ouvir: "vou profetizar isso ou aquilo sobre a sua vida!" O problema é que essa afirmação traz consigo a idéia de que a "profecia" é algo que eu carrego comigo, ou uma palavra de ânimo ou algo que desejo para alguém.

Assim, em um período público de adoração, você pode ouvir o dirigente dizendo: "vire-se agora para o seu irmão e profetize sobre a vida dele" ou então "profetize agora sobre a sua vida". Ora, isso é um conceito totalmente estranho ao Novo Testamento, e mesmo ao Antigo Testamento. Eu não profetizo porque eu quero, eu profetizo porque recebo um discernimento, ou uma palavra de sabedoria ou de conhecimento de Deus e se eu a compartilho com alguém, então, eu estou profetizando.

A tendência que tem sido assumida por várias pessoas hoje de dizer que vai profetizar isso ou aquilo para a vida de alguém ou na vida da própria pessoa, não passa de uma versão cristianizada do pensamento positivo ou da palavra positiva. Não acho que as pessoas fazem isso por mal, acho que fazem isso por falta de conhecimento bíblico.

Na verdade o que essas pessoas estão querendo dizer ou fazer não tem nada a ver com profecia. É melhor praticado e mais correto se for entendido como uma palavra de bênção que você quer dar a uma outra pessoa, uma boa palavra que você quer trazer para alguém, mas que vem de você e como tal não é profecia. E também não pode gerar nada de concreto na vida de ninguém a não ser o ânimo e estimulo de saber que existe alguém que quer o bem dela.

Profecia, no contexto do Novo Testamento, tem a ver com uma impressão, um sentimento, ou uma idéia que vem a mente de uma pessoa sobre alguma coisa ou alguém, e que a pessoa que recebeu compartilha, visando a exortação para a realização de algo. Como por exemplo, alguém em uma reunião de oração que diz: "sinto que devemos orar pelos missionários que estão em Angola." Ou, "parece-me que Deus está me mostrando que você tem um profundo problema de raiz de amargura".

Sei que existe uma outra definição de profecia que entende que a mesma no Novo Testamento se refere a pregação da palavra de Deus, mas não vejo fundamento bíblico e exegético para chegar a essa conclusão a partir dos textos paulinos sobre dons espirituais. Mas esse é outro assunto.

A segunda questão que tenho visto sendo praticada por ai a fora é a idéia de que a oração tem poder. Novamente, insisto que é a mesma fonte e base para a questão da profecia. O problema é essa idéia de que há em nós alguma espécie de poder ou energia que pode gerar as coisas e fazer com que as coisas aconteçam.

Já ouvi muitas vezes em encontros coletivos e em conversas entre pessoas a seguinte colocação: "É a oração tem poder" ou "quantos crêem no poder da oração". A poucos dias estava em um encontro, onde oramos por uma pessoa que estava passando por uma cirurgia muito delicada, onde os médicos haviam dado uma porcentagem de sucesso muito mínimo para a cirurgia, e que acabou bem. Então, uma pessoa para dar a notícia disse: "Quantos crêem que a oração tem poder? ".

Ora, não é a oração que tem poder, mas o Deus para quem oramos que tem poder e que soberanamente decide nos ouvir e nos atender ou não. O fundamento que dão para essa idéia de que a oração tem pode é o texto de Jesus dizendo que se tivermos fé e pedirmos a Deus sem duvidar podemos ordenar a um monte e ele sairá do lugar e se lançará ao mar (Mateus 21.18-22 e Marcos 11.20-25) e o texto de Tiago que diz que que muito pode por sua eficácia a suplica de um justo (Tiago 5.16).

No entanto, no primeiro caso, se o texto for lido com atenção e dentro do seu contexto vamos ver que a ênfase de Jesus está em termos fé em Deus e não na oração (Marcos 11.22) e veremos também que o contexto todo trata a respeito do juízo de Deus sobre a antiga estrutura sacerdotal de Israel, e perceberemos, então, que Jesus não está falando sobre qualquer monte, mas sobre o monte onde a cidade de Jerusalém, e em conseqüência o Templo que representava o antigo sistema sacerdotal, estavam construídos.

Já o texto de Tiago nos apresenta a questão da pratica da oração no contexto da confissão de pecados e da busca de cura para a enfermidade e nos apresenta Elias como o modelo para essa oração do justo. Isso deve nos levar a ler a história de Elias e veremos que o mesmo orou para que não chovesse e depois orou para que chovesse como uma conseqüência de sua obediência a Deus no exercício de sua missão.

Ou seja, em um e outro caso, não é a oração em si o elemento de poder, mas o Deus a quem se orar e os propósitos que ele tem. Eu não estou dizendo que não devemos orar. Entendo até que oramos é muito pouco, precisamos orar mais, o que estou dizendo é que não devemos atribuir o conceito de poder a oração, mas a Deus. A oração é uma disciplina espiritual que exercitamos para nos deixar diante de Deus e dos seus propósitos.

No meu entender é muito mais sadio e bíblico perguntarmos: "vocês crêem que Deus tem poder?" no lugar de perguntar: "vocês crêem que a oração tem poder?".

Como disse no início desse texto, ambas as questões estão relacionadas ao mesmo ponto: a influência que a espiritualidade cristã tem sofrido da espiritualidade secular. A idéia que predomina em nossa geração é a de que as pessoas possuem um poder latente nelas mesmas que se desenvolvido e liberado as levará a uma vida melhor, e quando agimos seja com o conceito da profecia seja com o conceito da oração, como elementos que são ativados por nós, estamos seguindo o mesmo princípio do presente século. E Romanos 12.1 diz: "Não se amoldem ao presente século..."

Ricardo Costa

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