INTRODUÇÃO
Quero tratar deste assunto que tem sido uma realidade a muito deixada de lado ou apresentado de uma maneira que visa tão somente silenciar ou gerar passividade na vida daqueles que se tornam discípulos de Jesus Cristo.
A questão que temos que levantar é: Depois que nos tornamos seguidores de Jesus Cristo nós devemos sempre nos submeter as leis do nosso País? Há contextos em que, pelo fato de sermos autênticos seguidores de Jesus, nós devemos desobedecer as autoridades constituídas?
Antes de abrirmos a Bíblia para pensarmos sobre estas questões, quero deixar claro que não concordo com nenhum tipo de movimento que se proponha ao uso da agressão e da violência como resposta as situações que um País possa enfrentar em termos de sua estrutura. Não vou propor nenhuma forma de rebelião ao governo.
O que precisamos entender é que quando nos tornamos seguidores de Jesus Cristo passamos a ter outro governo sobre nossa vida; e o que precisamos analisar é como essa questão de sermos pessoas com “dupla cidadania” deve ser levada em consideração, quando as “Leis” da sociedade entram em choque com a “Lei de Deus”.
Acho que não existe um texto que é mais evocado para falar deste assunto e até mesmo para não se tratar sobre ele do que Romanos 13.1-7. Este texto é usado como uma forma de tentar silenciar qualquer tipo de reflexão ou argumento que seja levantado sobre a nossa relação com o governo.
Então, vamos lá! Como é que podemos lidar com essa questão? Como as Escrituras nos apresentam a questão da obediência e desobediência civil? Vamos tomar o texto de Romanos 13.1-7 como base para nossa conversa sobre esse assunto.
É NOSSO DEVER RECONHECER E SE SUBMETER A PRIORI AS AUTORIDADES CONSTITUÍDAS.
“Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.” (Romanos 13.1-2)
É importante observar que a priori, de modo geral, todos devem se submeter as autoridades, porque na perspectiva da espiritualidade bíblica, elas são levantadas pelas mãos providentes de Deus.
Como nosso mundo se desconectou de Deus e as pessoas não agem mais baseadas em um coração que busca conscientemente e constantemente a Deus, o que seria suficiente para levar as pessoas a viverem de modo organizado e honrado em uma determinada sociedade, Deus por sua providência mantém a ordem social por intermédio das autoridades governamentais.
Mesmo que as autoridades não tenham ciência disto ou não acreditem em Deus, através de sua graça comum, Ele as usa para conter o processo de destruição que é gerado e desenvolvido por nós seres humanos quando estamos desconectados dele.
Portanto, como pessoas que são conhecedoras da Palavra de Deus e que reconhecem o seu domínio soberano sobre todas as coisas, aqueles que se tornam seguidores de Jesus Cristo precisam ser exemplos deste procedimento.
“Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem. Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos.” (1Pedro 2.13-15)
É NOSSO DEVER NOS OPORMOS A QUALQUER LEI QUE SEJA CONTRÁRIA AO GOVERNO DE DEUS.
“Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.” (Romanos 13.3-5)
Precisamos nos deter com um pouco mais de atenção a esta parte do texto das Escrituras, pois como já disse, este texto de Romanos tem sido usado muitas vezes por pessoas para procurar silenciar esta questão relacionada a obediência e desobediência civil, argumentando que a Bíblia diz que devemos ser submissos as autoridades e ponto final.
Contudo, será que é de fato isto que este texto está nos mostrando? É isto de fato que a Palavra de Deus está nos ensinando aqui? Ouso responder que não!
Primeiro, porque a Bíblia deve ser interpretada pela própria Bíblia, este é um princípio básico de interpretação textual, e veremos mais adiante como muitos textos mostram o contrário do que se é afirmado em termos de uma passividade da nossa parte para com leis que são aprovadas e que não são justas.
Segundo, porque o próprio texto nos mostra, em suas entrelinhas, quando refletimos em oração e atenção sobre ele, que não é uma postura de passividade ou se submissão a qualquer realidade que estamos sendo convocados a tomar.
Notemos que existe um objetivo claro no texto quando o mesmo se refere as autoridades. Elas existem para garantirem a promoção do bem e a coibição do mal.
“Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal.”
“É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.”
“Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá.”
Notemos também que as referidas autoridades são submissas aos propósitos de Deus que é a promoção do bem. Ou seja, de uma vida justa, integra, digna, correta.
“Pois é serva de Deus para o seu bem.”
Ou seja, o que se infere disto é que se as autoridades, que receberam pela providência de Deus poder para governarem a fim de que tenhamos uma sociedade reta e justa, não promoverem isso, como servos do Reino de Deus, necessariamente precisamos nos opor a elas.
Se as autoridades que recebem poder para a promoção do bem, forem agentes do mal, precisam ser resistidas, confrontadas e denunciadas pela igreja que é o povo de Deus em missão no mundo, seja em qual esfera for o exercício desta autoridade.
É hora, portanto, de olharmos alguns exemplos bíblicos para este fato!
No Antigo Testamento temos vários profetas que são levantados por Deus para confrontar as autoridades, os governantes, que deveriam estar promovendo o bem, mas que passavam a ser promotores da injustiça. Tanto no contexto político, quanto no contexto religioso de Israel.
“Então Obadias dirigiu-se a Acabe, passou-lhe a informação, e Acabe foi ao encontro de Elias. Quando viu Elias, disse-lhe: É você mesmo, perturbador de Israel? Não tenho perturbado Israel, Elias respondeu. Mas você e a família do seu pai têm. Vocês abandonaram os mandamentos do Senhor e seguiram os baalins.” (1Reis 18.16-18)
Nas narrativas do Novo Testamento iremos encontrar vários textos que demonstram como esta postura ativa de oposição de nossa parte como seguidores de Jesus Cristo, representantes do Reino de Deus na terra, precisa ser tomada por nós quando aqueles que têm autoridade para fazer o bem, promovem o mal.
“Naquela mesma hora alguns fariseus aproximaram-se de Jesus e lhes disseram: Saia e vá embora daqui, pois Herodes quer matá-lo. Ele respondeu: Vão dizer àquela raposa: Expulsarei demônios e curarei o povo hoje e amanhã, e no terceiro dia estarei pronto.” (Lucas 13.31-32)
“Então, chamando-os novamente, ordenaram-lhes que não falassem nem ensinassem em nome de Jesus. Mas Pedro e João responderam: Julguem os senhores mesmos se é justo aos olhos de Deus obedecer aos senhores e não a Deus. Pois não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos.” (Atos 4.18-20)
“O carcereiro disse a Paulo: Os magistrados deram ordens para que você e Silas sejam libertos. Agora podem sair. Vão em paz. Mas Paulo disse aos soldados: Sendo nós cidadãos romanos, eles nos açoitaram publicamente sem processo formal e nos lançaram na prisão. E agora querem livrar-se de nós secretamente? Não! Venham eles mesmos e nos libertem.” (Atos 16.36-37)
E há outros exemplos que poderíamos dar. Mas estes três são suficientes para embasamento de nossa tese. Se somos seguidores de Jesus Cristo, então, somos gente com dupla cidadania. E os valores do Reino de Deus sempre devem prevalecer sobre qualquer outra lei ou valor que seja colocado por nossos governantes, se as mesmas forem contrárias ao que rege o governo de Deus.
Leis que contradizem aquilo que as Escrituras nos ensinam e ordenam precisam ser rejeitadas por nós se somos seguidores de Jesus Cristo. Devemos viver primariamente a partir da nossa cidadania celestial, mesmo que isso implique em perseguição.
“Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja, quer apenas ouça a seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica, sem de forma alguma deixar-se intimidar por aqueles que se opõem a vocês. Para eles isso é sinal de destruição, mas para vocês, de salvação, e isso da parte de Deus; pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele.” (Filipenses 1.27-29)
É NOSSO DEVER HONRAR OS COMPROMISSOS SOCIAIS EXIGINDO QUE OS MESMOS SEJAM USADOS COM JUSTIÇA.
“Portanto, é necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência. É por isso também que vocês pagam impostos, pois as autoridades estão a serviço de Deus, sempre dedicadas a esse trabalho. Dêem a cada um o que lhe é devido: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se honra, honra.” (Romanos 13.5-7)
O texto termina nos convocando novamente a submissão as autoridades, com a tônica em nossa contribuição financeira para sustenta-la. O texto de fato fala isso, mas mais uma vez ele enfatiza que “as autoridades estão a serviço de Deus, sempre dedicadas a esse trabalho”.
Ou seja, se elas não estiverem a serviço de Deus, se elas não estiverem dedicadas ao trabalho de uma promoção justa para a vida, precisam ser confrontadas.
Como cidadãos com dupla cidadania nós precisamos fazer nossa voz ser ouvida contra todo mau uso da verba pública que de nós é solicitada. Discípulos de Jesus Cristo devem ser pessoas responsáveis pelo pagamento de seus impostos, etc, mas também precisam ser as primeiras a se levantar questionando o abuso, má gestão e gasto desmedido do dinheiro público.
Jesus disse que como seus seguidores, como gente que leva sua vida, então, nós seríamos como sal da terra. Nós traríamos gosto, tempero para este mundo, levando as pessoas a ansiarem pelo novo mundo que Jesus está trazendo a existência.
“Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens”(Mateus 5.13)
Como seguidores de Jesus Cristo nosso estilo de vida precisa demonstrar compromisso com tudo o que é justo e promova restauração. E como discípulos de Jesus Cristo precisamos ser os primeiros a nos levantar e ser contra tudo aquilo que promove a oposição ao governo de Deus neste mundo.
Conforme lemos em Isaías 58 não adianta nada se nós como igreja estivermos apenas envolvidos com atividades religiosas, mas não estivermos comprometidos com a busca de uma vida justiça para a sociedade onde estamos inseridos.
Quando as autoridades a quem sustentamos não promovem o bem, quando usam o dinheiro para o enriquecimento ilícito e visam o privilégios de alguns pouco em detrimento da grande necessidade de muitos, como igreja, temos o dever de nos levantarmos em oposição a isto (Tiago 5.1-6).
Para refletir e praticar.
- Inclua em suas orações diárias o clamor por nossa nação, pelos que exercem autoridade sobre ela. Ore pedindo a bênção de Deus sobre nossas cidades, a manifestação da paz e da justiça de Deus.
- Dê exemplo de cidadania pagando seus impostos, mas também acompanhando o uso do dinheiro público, exigindo a prestação de conta do mesmo.
- Assuma o compromisso de viver a partir dos valores do Reino de Deus e não negociar nenhum mandamento da Palavra de Deus em detrimento a leis que são aprovadas e impostas em nossa sociedade. Esteja pronto para arcar com as consequências e ser perseguido pelo seu compromisso obediente a Jesus Cristo.
By Ricardo Costa